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segunda-feira, 27 de maio de 2013

Clandestina

Acordei meio clandestina. Meio descompassada, meio fora do tom.
Abri os meus olhos, senti-os tão meus, tão dependentes de mim. Quis voltar a dormir, dormi. Estava atrasada, mas é como se não estivesse.
Levantei-me, andei pela casa, rodopiei, ninguém. Então eu ecoava ali naquele labirinto vazio. Olhei pra fora, céu cinzento em pleno verão. Não era eu. Senti vontade de puxar toda aquela camada poeirenta e seca de ar pra dentro dos pulmões, consumir aquele ambiente externo, tornar-me livre. Sair correndo nua ali, sem carregar nada, sem sentir que deixei nada pra trás por não haver onde carregar nada mais além de mim, e correr, correr, sem rumo, correr até onde eu pudesse, sem pretensão voltar, exatamente por não ter pra onde voltar. Teria a liberdade presa dentro de mim se atraindo por tudo que pudesse ser também, liberdade.

Mas ela era mais forte do que eu, fechei a janela.

Pensei no que deveria fazer no dia de hoje, e como se todo o meu corpo se recusasse fortemente, como ação de auto-defesa, achei que não... Que EU não devesse fazer tudo aquilo. Que aquilo não me pertencia, aqueles horários, aquela rotina, aqueles deveres, até aqueles hábitos que eu tomara por meus, eles eram de outrem. Aquilo não era eu. Estive sendo usurpada. Há outro alguém vivendo por mim em meu lugar.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Coisa bonita demais dói

Vez ou outra acontece de um vazio imenso me acometer. Um vento gélido soprando no peito, que parece ser feito só de buracos, e dá uma sensação de que aquela ausência desmedida vai me engolir por inteiro, e as mãos suam frio. Os braços se unem em um auto-abraço, tentando diminuir o tamanho do buraco que arde, e os olhos varrem os arredores buscando um algo-que-não-se-sabe-o-quê-ao-certo.
Sabe, desvendei que isso tudo é falta de uma coisa. E que quase tudo ao meu redor é falta de amor.
Hoje me despedi de alguns primos pequenos, que vieram aguardar o nascimento de seu novo irmão em minha casa. Nos últimos dois dias eles trouxeram uma certa alegria aqui pra dentro desse lugar vazio, silencioso e quase inabitado que é o meu próprio lar. Então, hoje, seus pais os vieram buscar, com o novo pupilo, ainda incapaz de desgrudar as pálpebras... A coisa mais angelical e inocente, nos múltiplos sentidos da palavra. Uma pureza que aflora na pele, tão puro e imaculado que dá até medo de tocar.
E ver aquela família ali, bem na minha frente, com laços tão bem estabelecidos de amor. Com aquela proximidade tão grande, aquela vontade tão congruente de estarem perto, de se olharem, cuidarem-se. Amarem-se, sem medida, sem medo. Aquele amor, tão autêntico, tão expresso, tão óbvio que é quase dito indestrutível, imutável e indelével... Me confrontando, me encarando, me pondo às faces que eu não tenho nada daquilo... Que nunca cheguei perto de estar perto de ter algo sequer parecido. Doeu. Mas não de inveja, jamais. Doeu essa dor do vazio. A dor que dá de voltar pra casa depois de um dia bom. A dor da saudade do que nunca foi. Doeu sereno. Doeu bonito, porque aquele amor, aquela cena de uma família comemorando a chegada de mais um membro para amar e ser amado, jamais poderia causar outra sensação que não a de beleza incomensurável.

sexta-feira, 10 de maio de 2013


Será que alguém no mundo já morreu por incompreensão?
Às vezes acho que vou acabar sufocando e morrendo assim. Deve ser possível. Viver num mundo em que ninguém entende ou dá alguma importância para o que você diz, pensa e sente, é de certa forma asfixiante, pra não dizer completamente. Fico a me perguntar quando pego um coletivo, por exemplo, se ali, no meio de todas aquelas pessoas solitárias e que evitam umas as outras como se se odiassem sem sequer se verem, se não existe ali mesmo, alguém, qualquer um, que pense como eu. Que se incomode como eu. Que surte como eu. Que queira fugir, desesperadamente, assim como eu. E talvez se ali mesmo, dentro daquele espaço opressivo e angustiante em que seres humanos ignoram uns aos outros durante horas sentados lado a lado, uma única pessoa pudesse simplesmente se comunicar comigo, e me entender, de repente nós duas pudessemos sanar esse desespero, pudessemos querer ficar.
Talvez eu mesma tenha me ocluído. Enfiado minha cara em meio à páginas de um bom livro e ignorado o resto do mundo. Mas aí percebo que só fiz isso porque todos me obrigaram à fazê-lo. Ninguém diz mais nada. Todos falam, e falam, e falam mais. Mas dizer, coisas que nos façam refletir, coisas que às vezes nos fazem calar dentro da cabeça todos os outros pensamentos só para ouvir o que a pessoa tem a dizer, bem... Isso não há mais ninguém que faça. Só ouço coisas que, pra mim, não fazem muita diferença ouvi-las ou simplesmente ouvir a mesma música que se repete pela décima vez nos meus fones de ouvido.  Há quanto tempo não tenho uma boa discussão? Há quanto tempo não me calam os pensamentos? Há quanto tempo não me fazem ver o mundo de outra forma?
Eu sinto falta de uma amizade, uma amizade assim, que fosse entender, mas não somente entender, que soubesse o que eu quero dizer com tudo que estou dizendo. Sinto falta de ter alguém pra dizer essas merdas, ao invés de precisar fazer esse monólogo, e escrever assim, coisa sem futuro.
Só jogar conversa fora me serviria, mas uma boa conversa, daquelas que não dá vontade de ir embora, uma conversa tão boa que depois dos dois beijinhos e até logo, você caminha até em casa se sentindo mais leve. Sentindo que dividiu-se com alguém. Que partilhou teu peso. Que flutuou, deixou de ser carne e sentidos, e foi só pensamento. Porque quando se é só pensamento nada mais importa, não importa se você está bem vestido, se você teve um dia bom ou não, se sua vida vai bem ou não, se você fez as unhas, cortou o cabelo, se vai ter dinheiro pra sair no fim de semana... Por um momento, um interstício de tempo, você e outra pessoa se livram do peso do que são, e se encontram uma na outra. E tudo parece mais leve se dividido com alguém, até mesmo um pensamento.
Mas meus pensamentos tem se amontoado um sobre o outro. E eles tem pesado, como as bolsas das pessoas que vão em pé no coletivo, e ninguém que está sentado se dispõe a levá-las, como um favor que se presta sem querer nada em troca. Tem sido assim comigo. Tenho silenciado a mim mesma, pois não há ninguém que me ouça. Ah, eu já tive boas pessoas que levavam minha bagagem quando podiam... E hoje eu simplesmente não as vejo mais, não as encontro mais.
Às vezes tento, até ensaio falar, mas algumas pessoas não alcançam o que quero dizer, outras não conseguem mais segurar tanto peso que já tem sobre si, outras me fazem sentir idiota demais ao abrir a boca, fazem parecer tudo tão pequeno quando externalizado. Mas ainda há aquelas que simplesmente viram as costas e saem, sem se importar com o que está sendo dito... E as que me entendem, bem, aquelas que eu gostaria de ter por perto... Essas estão em falta. Essas eu procuro todos os dias olhando nos olhos de desconhecidos e lançando-lhes um sorriso. Procuro nessas pessoas que estão dentro de um ônibus, de um metrô, de uma sala, tão sós quanto eu. Mas sabe-se lá o que elas pensam, elas não parecem querer sair daquela nuvem cinzenta e pegajosa que são seus próprios pensamentos. Não as julgo. Mas procuro, encolerizadamente, alguém que como eu, precise se desvencilhar desse mundo obscuro e solitário.